Estudantes e docentes participam de café com Ester Buffa (UFSCar) no campus

23/03/2018 18:32

Auditório cheio e público atento. Na tarde de quinta-feira (22/03) estudantes, professores, servidores técnicos da UFSC Blumenau e público em geral fizeram uma pausa nas atividades habituais para refletir sobre a educação básica e superior brasileira. A convite do corpo docente da Especialização em Educação Escolar Contemporânea e do Núcleo Pedagógico, a pesquisadora Profa. Dra. Ester Buffa (UFSCar) participou de um Café Filosófico no auditório da Sede Acadêmica. Com mediação do Prof. Julio Faria Corrêa, Ester foi convidada a falar sobre evasão escolar e acadêmica, expansão do ensino superior, desafios e, claro, história da educação, sua área mãe.

Durante a apresentação introdutória, o Prof. Julio fez um breve panorama sobre a expansão das universidades públicas nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Comparativamente aos vizinhos, os catarinenses ainda possuem o menor índice de instituições públicas de ensino superior.

Apesar do incremento na oferta de vagas públicas na última década, os desafios para o ensino superior possuem raízes mais profundas, que se originam ainda na alfabetização e nos modelos de ensino adotados nas escolas, que se demonstram insuficientes para abarcar a complexidade de realidades sociais que constituem o país.

Em 2018, a Universidade Federal de Santa Catarina observou um decréscimo no número de inscritos para seu vestibular de 8% comparativamente ao ano anterior. Além das alterações na educação básica que refletiram sobre o número de estudantes no ensino médio aptos a concorrer ao certame, fatores como permanência estudantil (moradia e alimentação) e apoio psicopedagógico nas instituições ainda seguem como grandes desafios para evitar a desistência na graduação.

Além do bate-papo com o público, Ester conversou com a equipe de comunicação da UFSC Blumenau sobre as temáticas propostas para o evento. Veja abaixo:

Usualmente quando falamos em evasão escolar logo associamos com o abandono da educação básica.  Entretanto quando trazemos o tema para a educação superior verifica-se ainda uma falta de estratégias claras e até mesmo pesquisas consolidadas sobre o tema. Apesar do incremento nas estruturas de acolhimentos nas universidades federais nos últimos anos os índices seguem altos. Como você vê a evasão no ambiente acadêmico?

Ester Buffa: primeiramente, é um tanto complicado entendermos o que é a evasão no ensino superior. Isso porque há vários casos. Tem realmente aqueles que frequentam um pouco as aulas e somem, mas também há aqueles que frequentam um ou dois anos e também somem – mas eles podem voltar. Depende muito das razões. Até o aluno realmente parar de frequentar a universidade e ser jubilado tem muito tempo. Então o que vamos considerar a evasão? Aquela pessoa que desiste logo, ou quem desiste após um ou dois anos?

Agora outra coisa é tentar detectar as causas, aí são muitas. Hoje a gente percebe que ingressam alunos que tem uma necessidade material muito maior para frequentar as aulas – precisam de bolsas, restaurante universitário, alojamento. Para além das condições materiais há a ainda questão do capital cultural. Muitos não herdaram um capital cultural da família, nem da escolaridade no interior. Claro, não são todos, mas observamos que muitos têm dificuldade em acompanhar as coisas. Às vezes, por conta disso, entram em cursos que são menos procurados, que são mais fáceis de ingressar – normalmente nas licenciaturas. Aí ele mesmo se pergunta “poxa, o que estou fazendo aqui, eu nem queria ser professor”. Isso porque a pessoa às vezes busca o diploma para ter uma melhor colocação no mercado de trabalho, não porque quer lecionar. Claro, tem aqueles que desistem mesmo, mas aí eu me pergunto o que acontece com essa geração “nem-nem”: nem trabalha, nem estuda. Há ainda aqueles que já têm um emprego, mas moram distante do local de estudo. Isso dificulta muito. Pode até gostar de ir para a aula, mas a pessoa não tem tempo de estudar efetivamente, fazer exercícios, se dedicar. E assim, claro que não ter dinheiro dificulta muito a permanência, mas às vezes a pessoa até tem condições materiais mas não gosta de estudar.

É aquela ideia linear da trajetória de vida, como se você tivesse que sair da escola, ensino médio e entrar obrigatoriamente na universidade…

…Exato. Para algumas pessoas é assim, mas para muitas outras não. Muitas querem se dedicar a tocar os negócios da família e cursar algo complementar à noite, por exemplo.

Você participou de uma mesa na UFSCar/Sorocaba sobre os 50 anos do golpe civil-militar em 2014 e foi falado sobre os resquícios da ditadura sobre a educação. Como ainda há uma disparidade da educação para o povo e a educação para a elite. Como você vê hoje esse movimento feito via medida provisória para reforma do ensino médio e agora, a mais recente proposta em tramitação no CNE para permitir que até 40% da carga horária do ensino médio possa ser feita a distância?

 Ester Buffa: Nossa, nem sei o que dizer…bom sobre essa questão da disparidade da educação, é, eu nem gosto muito de usar “elite” porque a maioria é classe média mesmo e isso acontece em vários países, não apenas no Brasil. O Pierre Bourdieu [sociólogo francês] já apontava a existência de duas redes de escolarização, mesmo na educação pública e mesmo na França onde todo mundo está na escola até os 18 anos. Existe uma diversificação no final do primário daqueles que vão cursar o secundário superior (rede SS) e quem vai para o primário profissional. E lá existem muitos cursos mesmo. Por exemplo, a manicure não é uma pessoa que aprendeu com alguém e abriu um negócio informal. Ela precisa ter uma habilitação para ter um negócio, da mesma forma um cabeleireiro e etc. Mas no Brasil, onde houve uma sociedade escravista, sempre teve um preconceito com o trabalho manual, enquanto que na Europa ele é valorizado, e muito! Então aqui parece que quem pode estudar, quer fugir do trabalho manual. Por exemplo, um jovem, uma criança, tem muita habilidade com madeira. Gosta de fazer coisas, de criar. Então você pode aliar isso a estudos clássicos, onde ele pode aprender sobre a história dos móveis, arquitetura e ele poderá fazer coisas lindas! Mas parece que isso não passa na cabeça da gente.

O ensino médio é sempre um nó difícil de desatar, porque ele surge para preparar para a universidade. Na Europa era isso. Mas os alunos chegavam e eles precisavam ter um capital cultural para acompanhar – então quem dava isso era o colégio, eram aulas que eram repetidas que nem o cursinho, mal comparando. Mas quando o ensino médio começa a ser frequentado, séculos depois, por pessoas que fazem esse ensino voltado para uma universidade, mas que não querem ir necessariamente para uma universidade, ele faz o quê?

Na minha época o ensino médio era o clássico e o científico. Clássico para quem ia fazer Direito, Letras e etc. e o científico para quem ia fazer algo na área de Exatas. Se você fizesse esses cursos e não fosse para o ensino superior, você era o quê? Nada. Você não tinha uma profissão. Então a luta sempre foi: qual é o objetivo que nós vamos dar ao ensino médio? Sendo que hoje se criam novas profissões o tempo todo. E daí algumas cabeças que estão lá no Ministério da Educação, no governo, acham que tem que ser de um jeito, aí a maioria da população não concorda…

E você considera, de alguma forma, que essa expansão que houve dos institutos federais e tecnológicos seria de certa forma uma maneira de tentar suprir esses “dois lados da mesma moeda”?

Ester Buffa: É isso, é um superior, mas não é aquele superior acadêmico. Até porque hoje as coisas mudam aceleradamente. Há muitas profissões, inclusive, bem remuneradas, que não passam pela universidade.

Veja bem, hoje você ser professor, fazer uma licenciatura, não é todo mundo que quer. Ainda mais se você vai lecionar no ensino fundamental ou médio onde tem questões como o cyberbulling [assédio virtual] e a violência. Está se transformando numa profissão torturante.

Bom já que você puxou esse tema, dentro dessa estrutura tradicional de escola, você tem relatos de experiências diferentes que têm se demonstrado exitosas com essa nova geração de alunos, com as novas tecnologias?

Ester Buffa: olha, não me lembro agora, porém com certeza devem haver boas iniciativas, mas quando elas são programadas para isso. Porque só deixar por conta do professor e dos alunos – “ah, tudo bem, pode usar o celular” – eles vão ficar brincando. Claro, que hoje você pensar numa escola em que o professor fica lá na frente falando e os alunos atrás ouvindo, para essa geração que é do iPhone, é torturante. Porque ele acostumou com um aparelhinho que faz um monte de coisas e que pode ser uma coisa boa, mas que pode ser muito nefasta também. Já há estudos que mostram como os estudantes não conseguem mais ler três páginas, por exemplo, porque ele está habituado a ler apenas frases soltas. Estão chamando isso de “concentração dispersa”. Você entrou na internet com a ideia de procurar uma coisa né? Aí vem outra e outra…e a pessoa de repente está concentrada em mil coisas. E o que ficou disso tudo?

Em Santa Catarina, em 2013, foi protocolado o projeto de lei 371/2013, para instituir a Política Estadual de Preservação do Patrimônio Escolar em Santa Catarina. O projeto recebeu veto total do Governo do Estado em 2016 (Mensagem nº 612) por vício de iniciativa e invasão de competência (Poder Legislativo à Poder Executivo). Desde então não há diretriz estadual sobre o tema. Segundo suas pesquisas acerca da preservação e memória escolar, quais são os principais reflexos da ausência de uma política que valorize a história da escola?

Ester Buffa: sempre é complicado quando você pesquisa a Escola, como é o meu caso. Por exemplo, a Escola Normal de São Paulo, que é uma instituição de mais de cem anos. É uma escola super tradicional e grande parte dos arquivos e itens históricos estavam guardados num porão. O porão ficava aberto, aí os alunos entravam. Ou acondicionavam os documentos em caixas de papelão e as caixas arrebentavam e espalhavam os papéis. De repente vinha uma faxineira super bem-intencionada e recolhia aqueles papéis e jogava no lixo…ou seja, você começa a seguir os dados e até certo ponto você encontra informações de alguns anos, mas logo vão se perdendo. É muito difícil de reconstruir a história escolar justamente por essa ausência de fontes. Então é aquela coisa: triste do País que não tem memória. Diante de tantas coisas urgentes que tem que se fazer como segurança, moradia, saúde, educação, transporte e todas essas outras que todo o político promete e não faz (risos), a preservação histórica fica lá em terceiro, quarto plano. Há ainda alguns casos de historiadores abnegados que vão lá e batalham, mas aí se ele sai da cena ou muda o governo, acabou-se.

(Reportagem e fotografia/Comunicação UFSC Blumenau)

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